O que sente quando a sua segurança está a ser ameaçada? E se fosse assim todos os dias?
Com a guerra na Ucrânia no top dos assuntos da actualidade, devemos todos parar para pensar nisto. No nosso dia a dia, sentimo-nos seguros. Podemos passar segurança aos nossos filhos, podemos dizer-lhes que vai ficar tudo bem. E se não pudessemos?
Mudança drástica de vida
A sensação de se estar em constante perigo é desgastante e destrói-nos lentamente. No caso das crianças pode provocar enormes retrocessos no seu desenvolvimento, que poderão nunca ser recuperados. É claro que não é só as crianças de países em guerra que podem sentir-se constantemente em perigo. Também ocorre em situações de violência doméstica, por exemplo, e com resultados muito semelhantes. Mas, por agora, foquemo-nos nas situações de conflito armado.
As sirenes tocam toda a noite, a qualquer momento, impedindo um sono tranquilo. Mesmo os bebés que não compreendem o que se passa, não conseguem dormir com o barulho e agitação.
Têm de fugir de suas casas. O seu porto seguro, o lugar onde deveriam sentir-se em paz, já não é seguro de todo. Para além da insegurança, todas as crianças precisam de manter a noção de pertença, a um grupo, a um espaço… com o potencial desaparecimento da sua casa, essa sensação de pertença desaparece. A vida pode nunca mais voltar ao que elas entendem como normal. Tudo o que eles conhecem agora é o medo, a fome, a sede, a solidão e a incerteza.
Onde está o pai?
Uma das mudanças mais drásticas e desastrosas que a guerra traz é a morte de pessoas próximas, pessoas que as crianças conhecem, amam, pessoas que são uma referência. Mas a morte não é a única que arranca estas pessoas às crianças.
Há muitas circunstâncias que podem provocar um afastamento da criança da família. A mais comum é o facto de terem de fugir com as mães e os pais terem de ficar para trás. Porque o pai fica naquele sítio perigoso?
O desaparecimento, mesmo que momentâneo de um dos progenitores é um dos eventos mais traumáticos da vida de uma criança. E eles sabem que essa pessoa está em perigo.
Stress permanente
O stress é uma condição em que o indivíduo vivencia um desafio que está além das suas capacidades de enfrentamento. Esta poderia ser também uma das descrições da guerra.
O stress é especialmente prejudicial nos primeiros anos de vida. A maleabilidade do cérebro nesta fase da vida torna-o particularmente sensível às influências ambientais, provocando uma alteração significativa da organização cerebral da criança.
O stress permanente provoca alterações físicas no cérebro da criança - pode levar a uma redução do volume cerebral. Provoca uma desregulação do sistema neuroendócrino e disfunção límbica, que se pode traduzir por depressão, ansiedade, e problemas de memória (quando afecta o hipocampo). Pode afectar ainda o comportamento e capacidade de tomada de decisão, bem como dificuldade em controlar os impulsos.
As relações
O ser humano é um ser social e precisa relacionar-se com os outros, certo? Sim, mas para se tornar esse ser sociável e especial, a criança precisa de ter relacionamentos saudáveis desde tenra idade. Caso contrário, terá sérias dificuldades em relacionar-se com os demais.
Se a criança se sente em perigo constante, se não sabe de onde esse perigo pode vir, vai ter muito mais dificuldade em confiar e relacionar-se com os outros. Esta sensação de desconfiança vai manter-se ao longo da vida, criando um adulto que tem dificuldade em confiar nos outros, em relacionar-se e opta por uma atitude muito defensiva em relação a todas as pessoas e situações.
Muitas vezes esperamos ver as crianças com reações semelhantes às do adulto com distúrbio de pós-stress traumático, no entanto, os nossos pequenos funcionam de forma bem diferente de nós. A ideia de que as crianças são muito mais resilientes do que os adultos tem algum fundo de verdade, mas também vem do facto das suas reações serem diferentes das nossas.
Muitas vezes, a criança parece que ultrapassou toda a situação, que não se apercebe de nada, ou que não entende. Assim que é colocada num ambiente seguro, segue a sua vida com normalidade. Ultrapassou. O problema é que as lembranças ficam lá, a sensação de medo e de susceptibilidade fica lá, ainda que não saibam verbalizá-las. Os danos já estão feitos e podem emergir em qualquer altura, às vezes, dezenas de anos mais tarde.
Que adultos serão estes?
Está mais do que comprovado que a exposição a violência constante, em todas as suas formas (mesmo violência verbal) provoca alterações cerebrais aos nível da amígdala, principal responsável pela regulação das nossas emoções.
Algo que tentamos (ou devíamos tentar) ensinar aos nossos filhos desde cedo é a tentar regular as suas emoções - note-se que regular é muito diferente de evitar ou constranger. É um dos sinais de maturidade mais óbvio. Então que adultos serão estes? Conseguirão dar a volta à situação um dia?
A resposta é incerta, mas é imporvável. As marcas ficam para sempre. As crianças, ao contrário da crença popular, não esquecem nunca. Mesmo para as mais pequenas, fica algo, lá no fundo da sua mente, que mesmo não conseguindo expressá-lo as torna ansiosas, medrosas. Serão provavelmente adultos que nunca se sentirão totalmente em paz e nem saberão porquê.
A sensação de perigo está sempre ao virar da esquina
Todos nós já passamos por situações em que nos sentimos em perigo, mas felizmente, poucos sabemos o que é ter essa sensação constantemente. Quando somos crianças somos muito mais sensíveis aos acontecimentos e as marcas mais difíceis de apagar.
No entanto, uma experiência traumática não tem de ser o fim. A presença de cuidadores sensíveis, que correspondam às necessidades de afecto e compreensão da criança são fundamentais para a ajudar a lidar com o stress e evitar danos irreversíveis no seu desenvolvimento.
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