terça-feira, 17 de maio de 2022

O que a sensação de perigo eminente faz ao cérebro de uma criança


 


O que sente quando a sua segurança está a ser ameaçada? E se fosse assim todos os dias?

Com a guerra na Ucrânia no top dos assuntos da actualidade, devemos todos parar para pensar nisto. No nosso dia a dia, sentimo-nos seguros. Podemos passar segurança aos nossos filhos, podemos dizer-lhes que vai ficar tudo bem. E se não pudessemos? 

Mudança drástica de vida

A sensação de se estar em constante perigo é desgastante e destrói-nos lentamente. No caso das crianças pode provocar enormes retrocessos no seu desenvolvimento, que poderão nunca ser recuperados. É claro que não é só as crianças de países em guerra que podem sentir-se constantemente em perigo. Também ocorre em situações de violência doméstica, por exemplo, e com resultados muito semelhantes. Mas, por agora, foquemo-nos nas situações de conflito armado. 

As sirenes tocam toda a noite, a qualquer momento, impedindo um sono tranquilo. Mesmo os bebés que não compreendem o que se passa, não conseguem dormir com o barulho e agitação. 

Têm de fugir de suas casas. O seu porto seguro, o lugar onde deveriam sentir-se em paz, já não é seguro de todo. Para além da insegurança, todas as crianças precisam de manter a noção de pertença, a um grupo, a um espaço… com o potencial desaparecimento da sua casa, essa sensação de pertença desaparece. A vida pode nunca mais voltar ao que elas entendem como normal. Tudo o que eles conhecem agora é o medo, a fome, a sede, a solidão e a incerteza.

Onde está o pai?

Uma das mudanças mais drásticas e desastrosas que a guerra traz é a morte de pessoas próximas, pessoas que as crianças conhecem, amam, pessoas que são uma referência. Mas a morte não é a única que arranca estas pessoas às crianças.

Há muitas circunstâncias que podem provocar um afastamento da criança da família. A mais comum é o facto de terem de fugir com as mães e os pais terem de ficar para trás. Porque o pai fica naquele sítio perigoso? 

O desaparecimento, mesmo que momentâneo de um dos progenitores é um dos eventos mais traumáticos da vida de uma criança. E eles sabem que essa pessoa está em perigo. 

Stress permanente

O stress é uma condição em que o indivíduo vivencia um desafio que está além das suas capacidades de enfrentamento. Esta poderia ser também uma das descrições da guerra.

O stress é especialmente prejudicial nos primeiros anos de vida. A maleabilidade do cérebro nesta fase da vida torna-o particularmente sensível às influências ambientais, provocando uma alteração significativa da organização cerebral da criança.

O stress permanente provoca alterações físicas no cérebro da criança - pode levar a uma redução do volume cerebral. Provoca uma desregulação do sistema neuroendócrino e disfunção límbica, que se pode traduzir por depressão, ansiedade, e problemas de memória (quando afecta o hipocampo). Pode afectar ainda o comportamento e capacidade de tomada de decisão, bem como dificuldade em controlar os impulsos.

As relações

O ser humano é um ser social e precisa relacionar-se com os outros, certo? Sim, mas para se tornar esse ser sociável e especial, a criança precisa de ter relacionamentos saudáveis desde tenra idade. Caso contrário, terá sérias dificuldades em relacionar-se com os demais.

Se a criança se sente em perigo constante, se não sabe de onde esse perigo pode vir, vai ter muito mais dificuldade em confiar e relacionar-se com os outros. Esta sensação de desconfiança vai manter-se ao longo da vida, criando um adulto que tem dificuldade em confiar nos outros, em relacionar-se e opta por uma atitude muito defensiva em relação a todas as pessoas e situações.

Muitas vezes esperamos ver as crianças com reações semelhantes às do adulto com distúrbio de pós-stress traumático, no entanto, os nossos pequenos funcionam de forma bem diferente de nós. A ideia de que as crianças são muito mais resilientes do que os adultos tem algum fundo de verdade, mas também vem do facto das suas reações serem diferentes das nossas.

Muitas vezes, a criança parece que ultrapassou toda a situação, que não se apercebe de nada, ou que não entende. Assim que é colocada num ambiente seguro, segue a sua vida com normalidade. Ultrapassou. O problema é que as lembranças ficam lá, a sensação de medo e de susceptibilidade fica lá, ainda que não saibam verbalizá-las. Os danos já estão feitos e podem emergir em qualquer altura, às vezes, dezenas de anos mais tarde.

Que adultos serão estes?

Está mais do que comprovado que a exposição a violência constante, em todas as suas formas (mesmo violência verbal) provoca alterações cerebrais aos nível da amígdala, principal responsável pela regulação das nossas emoções.

Algo que tentamos (ou devíamos tentar) ensinar aos nossos filhos desde cedo é a tentar regular as suas emoções - note-se que regular é muito diferente de evitar ou constranger. É um dos sinais de maturidade mais óbvio. Então que adultos serão estes? Conseguirão dar a volta à situação um dia?

A resposta é incerta, mas é imporvável. As marcas ficam para sempre. As crianças, ao contrário da crença popular, não esquecem nunca. Mesmo para as mais pequenas, fica algo, lá no fundo da sua mente, que mesmo não conseguindo expressá-lo as torna ansiosas, medrosas. Serão provavelmente adultos que nunca se sentirão totalmente em paz e nem saberão porquê.

A sensação de perigo está sempre ao virar da esquina

Todos nós já passamos por situações em que nos sentimos em perigo, mas felizmente, poucos sabemos o que é ter essa sensação constantemente. Quando somos crianças somos muito mais sensíveis aos acontecimentos e as marcas mais difíceis de apagar.

No entanto, uma experiência traumática não tem de ser o fim. A presença de cuidadores sensíveis, que correspondam às necessidades de afecto e compreensão da criança são fundamentais para a ajudar a lidar com o stress e evitar danos irreversíveis no seu desenvolvimento. 

quarta-feira, 11 de maio de 2022

Cuidar do idoso, o derradeiro desafio

 



Numa população cada vez mais envelhecida, faz cada vez mais sentido falar sobre isto - cuidar do idoso. Este cuidado não é simplesmente dar-lhe comer, ou ajudá-lo a vestir. Vai muito para além disso. 

Em Portugal, a maioria dos cuidadores são eles próprios idosos, com todos os problemas que isso acarreta. Em pouco tempo, o cuidador precisará ele próprio de cuidados  e a sociedade não esta disponível para os dar. As instituições não chegam para todos os pedidos.

O que é cuidar?

Os cuidados com o idoso vão muito além de dar a medicação na hora certa, ou fazer a higiene. Ser cuidador exige empatia, diálogo e amor. A pessoa que precisa de cuidados precisa de muito mais do que o cuidado físico básico.

É muito frequente ver os cuidadores a tratarem o idoso de forma infantilizada. Não há nada mais degradante do que isso. Não é uma criança, é um adulto a precisar de ajuda. Infantilizar um idoso vai destruir a sua auto-estima e contribuir para problemas do foro emocional, nomeadamente, depressão. O seu familiar idoso tem opiniões, ideias e vontades. 

Se a pessoa estiver lúcida, não há razão para não a deixar tomar as suas próprias decisões. Se a lucidez já começa a faltar, ou percebemos que é uma decisão que coloca a pessoa em risco, então devemos conversar, argumentar e dialogar. Evite dizer “é assim porque eu quero” ou “sou eu que mando”. Na dúvida, coloque-se no lugar da pessoa - o que gostaria que lhe dissessem ou fizessem naquela situação?

Saúde mental - de ambos

Não raras vezes, estamos tão preocupados com a saúde física, que nos esquecemos da saúde mental - vital para o nosso bem-estar e bom funcionamento diário.

No caso do cuidador, tem um trabalho duplo a nível de saúde mental, pois tem de se preocupar com a saúde mental do idoso e a sua própria. 

Não é fácil encontrar este tipo de equilíbrio, até mesmo pelo facto de termos pouco tempo e estarmos constantemente ocupados com a pessoa a cuidar. No entanto, sentirmo-nos bem psicologicamente é fundamental para uma boa convivência numa etapa de vida tão difícil, quer para o cuidador, quer para o cuidado.

O Sono

O sono no idoso é um assunto delicado, pois pode oscilar entre uma permanente sonolência, ou uma total falta dele. Isto pode ser um problema para o cuidador, pois, se por um lado o excesso de sono pode levantar preocupações, a completa ausência dele pode ser extenuante, caso a pessoa queria circular pela casa ou chame constantemente, por exemplo.

Mesmo quando dormimos a noite inteira, pode haver situações em que o sono não é raparador e isso afecta o nosso dia. Esta situação é mais frequente à medida que a idade avança e pode deixar o idoso menos disposto, mais cansado ou até mesmo irritável. Por esse motivo, é importante promover momentos relaxantes e de pausa, especialmente quando se aproxima a hora de deitar. Estes podem ser determinantes para o descanso de ambos. 

A higiene

A hora da higiene suscita sempre muitas dúvidas e receios. Maioria das vezes, não tem a ver com o acto em si, mas com algums constrangimentos de parte a parte. De facto, se a pessoa está lúcida pode até sentir-se humilhada por necessitar que outra pessoa lhe dê banho ou troque uma fralda.

A melhor forma de lidar com isto é agir com naturalidade e tentar que a pessoa usufrua do maior conforto possível. Em momento algum, o idoso deve ser chamado à atenção por ter urinado na cama, ou por precisar de fraldas. Mais uma vez, é um exercício de empatia: como se sentiria se fosse consigo?

É importante também lembrar, especialmente para as pessoas cuja profissão é cuidar de idosos, que um idoso não são todos os idosos. Cada pessoa tem a sua personalidade e direito à sua individualização. Pessoas diferentes têm necessidades diferentes e é uma obrigação do cuidador tentar detectá-las.

O Banho

O banho é um momento delicado que enche o idoso de constrangimentos. O ideal é o mesmo ser dado num local calmo (onde o idoso não se sinta exposto), deve ser rápido (tanto quanto possível) e deve ser proporcionado ao idoso alguma sensação de autonomia, por exemplo, dar-lhe a esponja para se ensaboar se tiver condições para tal.

Outra coisa a ter em conta é que muitos idosos sentem desconforto e mesmo dor ao toque. Seja delicado e tenha paciência. 

Cuidados de pele

A pele dos idosos tende a tornar-se mais seca e por isso, fere com maior facilidade. Uma boa hidratação é fundamental para evitar feridas, especialmente em pessoas acamadas - as famosas escaras, dolorosas e difíceis de curar.

Além do cuidado directo com a pele - mantê-la limpa e hidratada - deve haver especial cuidado com a roupa de cama e de vestir. Escolha peças confortáveis, de tecidos naturais que não causem fricção no contacto com a pele.

Alimentação

Tal como a higiene, a alimentação é um tema fundamental e exige certos cuidados.

A maioria das pessoas mais velhas precisa de uma dieta especifíca ou pelo menos certos cuidados na alimentação. Doenças como a diabetes, colesterol ou hipertensão precisam da ajuda da alimentação para serem controladas. Para além disso, com o passar do tempo podem surgir alterações do palato e intolerâncias alimentares, que nem sempre são óbvias e às quais devemos estar atentos.  

É ainda preciso um extremo cuidado no próprio momento de alimentar. Oferecer porções pequenas, mais facilmente digeríveis e mais vezes ao dia, bem como garantir que a pessoa não se engasga, especialmente se tiver se ser alimentada deitada ou quase. Para os idosos acamados é ainda importante oferecer aliemntos ricos em fibra. A falta de movimento pode provocar obstipação e a fibra ajuda a evitá-la, dando mais conforto à pessoa.

Conforto e Vida Social

Ter conforto e bem-estar vai muito mais além das necessidades básicas. Entretenimento e possibilidades de convívio e contacto social são também muito importantes. Procure proporcionar actividades, dentro do gosto pessoal da pessoa que não só estimulem o cérebro (e se possível o físico), como também a deixem entretida e de bom humor. 

Todas as actividades que estimulem a socialização e o contacto humano são bem-vindas.

Não somos sempre fofinhos

A imagem do idoso como o avôzinho ou avózinha queridos e fofos que nos enchem de amor e carinho nem sempre é a realidade do cuidador.

Há muitos motivos para tal acontecer e alguns estão directamente relacionados com a personalidade da pessoa. Os idosos são muitas vezes desprovidos de vontades, personalidade, ou maneira de ser pelas pessoas à sua volta. Mas isto não faz sentido. Cada um continua a ter a sua própria maneira de ser e forma de estar, com tudo o que isso implica.

Outro momento que muitos não esperam é quando em caso de demência ou patologia do foro mental, o idoso se torna agressivo e antipático, muitas vezes recusando cuidados. A revolta pela situação em que se encontram também é frequente.

Em qualquer dos casos, o cuidador não precisa de julgamentos, precisa de ajuda. Lembre-se também que não tem de fazer tudo sozinho e pode recorrer a ajuda de profissionais, sempre que sentir essa necessidade.

Diante de reações desagradáveis, o ideal é sempre manter a calma e tomar uma atitude conciliatória em vez de confrontatória. Tente negociar com a pessoa e terá a vida de ambos mais facilitada.

O desgaste do cuidador

O cuidador do idoso nem sempre é valorizado como devia, seja pelo governo e pela sociedade, seja pelos mais próximos. Muita gente, ainda encara o cuidar de pessoa idosa como dar comer ou ajudar no banho e esquecem todo um lado emocional e de esforço físico envolvido. 

Apesar das dificuldades do ponto de vista físico, como a força necessária para levantar a pessoa ou as poucas horas de sono, foquemo-nos no lado emocional.

O cuidador está sob um stress muito grande e considerável exaustão. Isto leva muitas vezes a um processo de isolamento social do qual resulta mais cansaço e frustração - muitas vezes, a única pessoa com quem tem interacções significativas é o idoso. 

É preciso proporcionar ao cuidador momentos de descanso e lazer, para que o desgaste emocional não se torne insuportável. 

O derradeiro desafio

À medida que a idade avança várias condições afectam as nossas capacidades físicas e psíquicas. As mesmas tornam a pessoa idosa mais susceptível a acidentes, quedas e outras situações de risco. 

A figura do cuidador é vital. No entanto, pode ser extremamente difícil e desgastante para ambos. Para uma eficaz relação entre cuidador e cuidado é preciso haver respeito mútuo. O idoso é uma pessoa com vontade própria e deve ser respeitada como tal. Há que respeitar e honrar as suas escolhas sempre que possível - sempre que não coloquem o próprio, ou terceiros, em risco.