quinta-feira, 11 de maio de 2017

O Alívio da Morte - A reconstrução da Vida



O apoio a doentes com doenças terminais é fundamental, mas não podemos descurar os seus familiares mais próximos, durante e após todo o processo da doença. A morte chega lentamente, com aviso prévio, mas ainda assim, tão de surpresa. Os meses de sofrimento e desespero caem de repente sobre o vazio da ausência e isso é algo com o qual ninguém está preparado para lidar.

Muitos são os sentimentos que nos assolam e a culpa permanece com insistência na mente dos que ficam, pelo que não fizeram e poderia ter feito, pelo que fizeram que poderiam ter feito de maneira diferente, pelo alívio que a morte lhes trouxe. A dor e o alívio misturam-se quando as palavras há tanto esperadas chegam, muitas vezes, durante uma visita ao hospital.

Acabou. Respira fundo.

Em seguida a este “acabou”, vêm os sentimentos negativos e a sensação de abandono, como se não tivessem feito o suficiente, sofrido o suficiente. Acabou, mas não pode acabar. Alguém morreu, não posso simplesmente achar que é um alívio, porque algo acabou.

São estes os pensamentos dos que vêem os seus entes queridos partir após tanto tempo de sofrimento e são estes os pensamentos e sentimentos que temos de trabalhar e modificar.

O fim da vida foi um alívio e não há mal nenhum nisso.




O familiar Cuidador

A doença terminal é algo normalmente alongado no tempo e com várias fases e altos e baixos. Períodos no hospital, períodos em casa, períodos de relativa independência e força e períodos de total dependência, depressão e desespero.

O familiar cuidador é aquele que se torna maioritariamente responsável pelo doente terminal e é, naturalmente, quem mais sofre com todos os altos e baixos. É a pessoa que, na grande maioria das vezes, abdica de tudo na sua vida para cuidar da pessoa doente.

A sua vida é subitamente interrompida, todos os eus projectos e desejos adiados e a incerteza passa a ser parte do dia a dia. Os seus pensamentos andam à volta do relativo bem-estar de uma pessoa pela qual nada há a fazer e pela dúvida entre o continuar a lutar por ela, ou baixar os braços.

Após a morte, o sentimento de vazio é imenso e a falta de apoio enorme. Acabou. Pensa o familiar cuidador e também pensam as pessoas à sua volta. Acabou. Agora é o luto, agora vamos voltar ao normal. Será?

De que forma e até que ponto, esta pessoa realmente volta ao normal? É tão bom poder seguir com a vida, com os projectos, com os sonhos, mas muitas vezes sem aquela pessoa, estes não têm grande significado. E é nesta fase, que a pessoa se vê forçada a encarar o facto que nada mais será normal.



Perfil do Familiar Cuidador

O familiar cuidador tem, naturalmente, uma grande proximidade ao doente, uma mãe, uma filha, esposa, esposo… Alguém que terá de aprender a viver novamente antes de poder seguir com a sua vida. Muitas vezes, terá de dar um novo significado a esta vida…

Este familiar lidou durante meses com os sentimentos e dificuldades do doente, dele próprio e da sua família e nesta fase, o alívio esperado não chegou, pois a dor é imensa e continua a servir de enfermeiro(a) para os restantes familiares que tentam ultrapassar o luto. 

Esta pessoa é, normalmente, percepcionada como forte, é a pessoa que se chega à frente, que tem a coragem necessária para tomar decisões (sempre tão difíceis), de tomar as rédeas da situação e faz o que é preciso fazer. Muitas vezes, a pessoa já tinha este perfil anteriormente, porém, muitas outras tem de aprender a agir desta forma, pois alguém tem de o fazer. E na esmagadora maioria das vezes, não foi uma escolha sua, não há mais ninguém…


O Apoio Psicológico

Não há a menor dúvida de que o familiar cuidador precisa de um apoio especializado e felizmente, começa a surgir cada vez mais esse apoio em contexto de serviço nacional de saúde. No entanto, a falta de profissionais, a falta de tempo ou até mesmo de dinheiro continuam a ser uma realidade que impede o apoio adequado a estas pessoas.

Há tempo de espera pela consulta de apoio psicológico e muitas vezes, a pessoa não pode ir, porque o doente terminal tem exames, está pior, foi internado, precisou de algo, ou simplesmente, não há mais ninguém que possa, naquele dia e àquela hora, ficar com ele… Marcar uma nova consulta é uma aventura digna de enlouquecer.

Assim, o atendimento a nível particular poderá ser uma opção, mas a falta de tempo aqui é batida pelas dificuldades financeiras. Os cuidados e necessidades do doente terminal são grandes e todo o dinheiro deve ser meticulosamente contado para tal fim. O cuidador fica para depois.

E é assim que esta pessoa vai vivendo e como ela acaba por acreditar que é o mais correcto, que os sentimentos dela têm de ficar para depois, que as dificuldades dela não são assim tão importantes, que ela está em segundo lugar.

A morte afinal não traz o alívio desejado mas uma sensação de vazio e da falta do seu próprio espaço, na sua própria vida.

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