domingo, 1 de outubro de 2017

Aceitar a Doença Crónica

Os avanços cada vez maiores da medicina parecem trazer para o nosso quotidiano mais e mais diagnósticos de doenças crónicas. O conhecimento é uma benção para a qualidade de vida, mas para muitos doentes torna-se um pesadelo.

Nem toda a gente está preparada para o diagnóstico quando ele chega e, na maioria dos casos, é uma sensação devastadora. “Para o resto da vida” é um tempo muito longo e os medicamentos e alterações diárias nem sempre são bem aceites.

Há problemas legais que podem tornar-se um entrave ao tratamento, como a dificuldade em conseguir isenção das taxas moderadoras, o acesso limitado a especialistas ou até mesmo, a capacidade de transporte até à consulta, mas por detrás dos números, estão seres humanos, perdidos e confusos, que precisam desesperadamente de aprender como aceitar e lidar com esse estado que é a doença.

Em Portugal o acompanhamento ao doente é maioritamente efectuado através das Unidades de Saúde Familiares e acompanhamento de especialistas a nível hospitalar. No entanto, quando falamos de apoio à gestão do regime terapêutico, a resposta do SNS é francamente insuficiente, ficando a família com grande parte do papel que pertende ao profissional de saúde.


Estatísticas

As estatísticas referentes à Doença Crónica em Portugal não são de todo favoráveis. Estima-se que 40 a 45% das doenças sinalizadas no nosso país, sejam doenças crónicas incapacitantes e segundo o Plano Nacional de Saúde, este número tem tendência para aumentar de forma exponencial.

Em 2005, 86% das mortes ocorridas em território europeu foram consequência de doença crónica (sendo a Diabetes detentora do número mais significativo), segundo dados da OMS e prevê-se que este número aumente. Da mesma forma, a Organização Mundial de Saúde acredita que a adopção de um estilo de vida mais saudável, que inclua exercício físico, melhores hábitos alimentares e abandono de hábitos tabágicos poderia baixar estes números em cerca de 80%. 

O primeiro profissional de saúde a lidar com o problema é o médico de família, que lida não só com a doença em si, mas que encontra em cerca de 80% dos casos, queixas do foro psicossocial, para as quais nem sempre tem capacidade de resposta.

A doença crónica é assim de uma magnitude que não pode ser ignorada, pelos problemas para a pessoa individual (doente e família) e ainda pelo impacto económico que tem em todo o mundo. A utilização de uma estratégia de prevenção, que inclua medidas dirigidas especificamente aos diferentes grupos populacionais, aumentando assim a sua taxa de potencial sucesso, é o conselho da OMS para inverter esta tendência.




A doença Crónica e a Família

A Organização Mundial de Saúde define as doenças crónicas como “Doenças que têm uma ou mais das seguintes características: são permanentes, produzem incapacidade/deficiências residuais, são causadas por alterações patológicas irreversíveis, exigem uma formação especial do doente para a reabilitação, ou podem exigir longos períodos de supervisão, observação ou cuidados.”

No entanto, por detrás das definições estão seres humanos e um dos factores que mais afecta o doente e a sua família é a percepção de vulnerabilidade. De um momento para o outro, estas pessoas vêem-se perante um novo cenário, desconhecido e muitas vezes assustador e durante algum tempo, tudo gira em volta da doença, seja numa tentativa de controlar e tratar, seja através dos esforços feitos para ignorá-la.



Eu não estou doente, eu sou doente

A percepção que o doente, bem como a sua família tem do problema é fundamental para o prognóstico. É importante que a pessoa aceite e compreenda o que se passa com ela, que lhe dê o significado que realmente tem (sem ignorar o problema, nem torná-lo o centro da sua vida) e que tenha suporte da família e amigos próximos para que possa lidar com a doença da melhor forma possível.



Aumento da Esperança Média de Vida ou Explosão de doenças crónicas?

O aumento da esperança média de vida parece ter uma correlação directa com o aumento das doenças crónicas, mas não só. A doença crónica, como bem sabemos, atinge pessoas de variadas idades e estima-se que esteja mais relacionada com o estilo de vida stressante e sedentário, tão comum nas sociedades modernas.

Hoje em dia, uma pessoa com mais de 65 anos usa, em média, 5 medicamentos em simultâneo para controlo de condições crónicas de saúde. É sabido que quão mais complexo fôr o tratamento e o maior número de medicamentos, menor a adesão aos mesmos por parte dos doentes.




Conhecer, compreender, aceitar

Nem todas as doenças crónicas são terrivelmente incapacitantes, mas a noção de nunca mais, de anormalidade persegue os doentes que tentam desesperadamente encontrar um novo caminho ou direcção, do qual a doença vai sempre fazer parte. De acordo com uma tese de doutoramento da Universidade Católica do Porto, após o diagnóstico da doença crónica, começam a emegir os sentimentos de medo e falta de esperança. 

As tarefas rotineiras passam a ser grandes dificuldades e o percurso normal de vida (estudos, trabalho) é alterado, muitas vezes, radicalmente.

A forma como é vivido o momento de transição entre a saúde e a doença é fundamental para o desenvolvimento da mesma e prognósticos sobre o futuro. É preciso investir em profissionais, que para além do conhecimento necessário para apoiar o doente, demonstrem sensibilidade para compreender a pessoa que têm à sua frente e a sua capacidade de resiliência, bem como as suas vulnerabilidades.

O suporte familiar e o contexto sociocultural em que o paciente está inserido é de vital importância para o sucesso ou insucesso do processo. A ausência de suporte familiar, especialmente se associada a um contexto de pobreza, é um dos maiores factores de vulnerabilidade do doente crónico. Pelo contrário, uma família estruturante é, à partida, um dos melhores prognósticos que podemos encontrar.

Os profissionais de saúde e o doente que acompanham têm expectativas e objectivos diferentes, pois para o doente, o controlo da doença é apenas uma parte de tudo o que este tem de enfrentar. Ele precisa fazê-lo, enquanto segue com o seu plano de vida, o que muitas vezes, na ânsia de melhorar a parte clínica é desvalorizado pelos profissionais, tornando-se um forte entrave à aceitação da doença por parte do doente e à vivência desta transição de forma mais tranquila.


Desmistificar crenças

Muito do trabalho a realizar pelos profissionais de saúde está relacionado com a desmistificação das crenças associadas às doenças crónicas, crenças essas, que prejudicam a aceitação e o tratamento, especialmente na fase de transição.

Após um diagnóstico de doença crónica, os doentes passam por uma fase de transição, onde interiorizam a sua nova realidade e aprendem a viver com a doença e as suas limitações, bem como os novos cuidados impostos pela mesma. Esta transição é tanto mais fácil quanto menor o número de crenças desfavoráveis associadas ao problema pelo paciente e sua família.

O medo, a discriminação e a gravidade percebida da doença estão directamente relacionados, tanto com as crenças que o sujeito possa ter, como com a facilidade ou dificuldade com que esta transição é vivida.


Gerir a doença, gerir a própria vida

Todo o profissional de saúde sabe que apesar de todos os esforços algumas pessoas não tomarão o devido cuidado consigo mesmas e não seguirão os seus conselhos. Isto levanta algumas questões de abordagem ao paciente, mas, em primeira análise, o que faz com que algumas pessoas não cuidem de si mesmas?

A noção de auto-cuidado significa coisas diferentes para pessoas diferentes e difere consoante a capacidade de adaptação e resiliência, bem como as expectativas para o futuro do sujeito em causa.

A informação é fundamental para que a pessoa cuide da sua saúde, tendo em conta o benefício a esse comportamento associado. A confiança na sua capacidade é também um factor determinante, o paciente precisa acreditar que é capaz de cuidar de si mesmo e que daí tirará algum benefício.


Aceitarmo-nos a nós e aos outros

É urgente protecção jurídica. O doente crónico precisa ser reconhecido e apoiado. O acesso a medicamentos e terapias deve ser uma prioridade, mas não esqueçamos outros tipo de materiais, que não sendo considerados medicação são muitas vezes negligenciados, mas são necessários para uma vida digna e independente de muitos dos nossos doentes.

Os profissionais de saúde são fundamentais na fase de transição e aceitação da doença. É preciso que estes tenham a consciência e a sensibilidade para compreender que para o doente o foco está na vivência da nossa condição, enquanto tentam manter a continuidade da vida que tinham antes. Ser capaz de controlar a doença e tratar de si mesmo, aplicar o regime terâpeutico adequado e muitas vezes complexo, principal preocupação do profissional de saúde, tem de ser incorporado nas vivências e expectativas do paciente, ajudando-o a lidar com esta nova vida.

Desta forma, o Plano Nacional de Saúde adopta uma postura de desenvolvimento de competências no doente, focado na informação ao mesmo, que passa não só pela informação prática relacionada com a doença e terapêutica, mas também pelo conhecimento dos seus direitos, possibilidade de escolha, procedimento de segurança e ainda, como e onde deve fazer as suas reclamações se sentir necessidade disso.